Archive for the 'Interrupção Voluntária de Gravidez' Category

Uma lei que salva vidas de mulheres

Lamentamos as declarações infelizes que alguns candidatos têm proferido nesta campanha eleitoral em relação à Interrupção Voluntária da Gravidez (IVG). Falar de aborto é falar da liberdade individual de escolha, da segurança, da dignidade, da saúde e da vida de todas as mulheres.

Interromper ou não uma gravidez não é uma decisão política. É uma decisão pessoal de cada cidadã portuguesa que se vê confrontada com o dilema de uma gravidez não desejada. Interromper ou não uma gravidez não traduz vitórias ou derrotas políticas. Trata-se de um assunto que diz respeito à vida e à saúde daquela pessoa. Desde que a IVG por opção da mulher foi legalizada em 2007, o aborto passou a dizer respeito apenas às mulheres e aos seus médicos e restantes provedores de cuidados de saúde, deixando de ser um assunto de polícia e de tribunais.

Nenhuma pessoa faz um aborto de ânimo leve. O que nós vemos no contacto diário com as mulheres que passam por esta situação é que o aborto não foi “liberalizado” nem é uma prática contraceptiva. Pela nossa experiência profissional, sabemos que 80% das mulheres que abortam em Portugal o fazem pela primeira vez. Ou seja, a repetição da IVG não é prática corrente.

Em Portugal o número de IVG por opção da mulher é bastante menor do que se pensava que seria antes do referendo. Para além deste facto esse número tem vindo a diminuir: em 2010 houve menos interrupções de gravidez que nos anos anteriores. É indiscutível que o número de mortes e de complicações de saúde relacionadas com aborto desceu drasticamente.

Demos a cara como profissionais de saúde e batemo-nos pelo SIM no refendo de 2007. E hoje – após quase cinco anos de trabalho nesta nova realidade - continuamos a defender que todas as mulheres que escolham interromper uma gravidez devem ter sempre direito a aceder a cuidados de saúde de qualidade.

Esta lei já salvou a vida de muitas mulheres e esse facto é fundamental e deveria ser suficiente para que a mudança ocorrida com a despenalização do aborto não fosse posta em causa no calor de uma campanha eleitoral.

Associação Médicos Pela Escolha
[email protected]
26 de Maio de 2011

Infecções associadas a aborto clandestino caíram para metade

Artigo de Jornal de noticias -

Paula Lagarto e Sandra Moutinho, Lusa

As infecções e a perfuração de órgãos associadas ao aborto clandestino diminuíram em mais de metade desde que a lei da Interrupção Voluntária da Gravidez entrou em vigor, há um ano, revelou o Director Geral da Saúde.

Em entrevista à Agência Lusa, a propósito do primeiro ano da aplicação da lei que permite a IVG até às dez semanas, cuja regulamentação entrou em vigor a 15 de Julho de 2007, Francisco George considerou que estes dados revelam que “a lei é boa e protege as mulheres”.

No primeiro semestre de 2007, registam-se 23 septicemias (infecções muito graves) e 11 perfurações de órgãos associadas à prática de aborto clandestino, revelou o Director Geral da Saúde.

Já com a lei em vigor, na segunda metade do ano, ocorreram doze septicemias e uma perfuração, uma redução que Francisco George atribui à lei e que demonstra que o aborto clandestino é hoje “residual” em Portugal.

Desde 15 de Julho, a Direcção-Geral da Saúde registou apenas dois casos de prática de aborto clandestino, um dos quais está a ser investigado pelo Ministério público.

A rede oficial integra 38 hospitais públicos, três unidades privadas e três centros de saúde. Nestas instituições realizaram-se, no último ano, 14.247 IVG.

A esmagadora maioria das interrupções foi feita por método medicamentoso.

Para Francisco George, esta opção deve-se ao facto de ser um método “menos traumatizante e muito eficaz, se utilizado até à nona semana”, sendo contudo “mais lento”.

Mas existem outras diferenças entre estes métodos, já que o medicamentoso é mais barato: 341 euros, contra os 444 euros que custa a interrupção cirúrgica.

A opção dos serviços públicos pela interrupção medicamentosa contrasta com a escolha dos privados.

Segundo Francisco George, “há uma grande, enorme diferença entre o que se verifica nos sectores público e privado da rede”.

Perto de 100 por cento dos serviços públicos utiliza o método medicamentoso, enquanto mais de 90 por cento dos privado opta pelo cirúrgico.

“Provavelmente há aqui uma razão cultural, já que as mulheres portuguesas, no tempo da clandestinidade, entravam e meia hora depois, saíam com a intervenção realizada”, disse.

Francisco George reconheceu que a objecção de consciência foi uma questão que preocupou as autoridades durante a preparação da aplicação da lei.

Contudo, um ano depois, garante que este assunto não inviabilizou a prática da IVG, tendo a objecção de consciência dos profissionais de saúde sido “inteiramente respeitada”.

A resposta dos serviços assentou no funcionamento “em rede” da rede oficial que, na impossibilidade de realizar a IVG nos hospitais procurados pelas mulheres, as encaminhou para outros hospitais públicos ou privados.

“Das quase 15 mil interrupções que foram feitas ao longo deste ano, são poucas mais de 2.000 as realizadas nos serviços privados, apoiados pelos serviços públicos”, disse.

Francisco George salienta que não se registaram queixas de utentes e que é notória a confiança das mulheres, traduzida no aumento da procura dos serviços da rede oficial que se tem registado.

“Comparando o primeiro semestre com o segundo [do primeiro ano da aplicação da lei] reparamos num aumento da procura nos serviços públicos”, o qual “se traduz também numa diminuição das interrupções praticadas em ambiente clandestino e ainda em menos idas ao estrangeiro”, frisou.

Outro dado salientado por Francisco George refere-se às desistências, com 700 mulheres a optarem por prosseguir com a gravidez após “a consulta prévia de aconselhamento sobre os apoios que o estado dá à gravidez”.

O Conselho da Europa recomenda a legalização do Aborto

O Parlamento do Concelho da Europa (PACE) recomenda que todos os membros a descriminalizem o aborto, dentro de limites gestacionais razoáveis e se ainda não o fizeram, para garantir o direito das mulheres à interrupção voluntária da gravidez segura e legal.

Esta Assembleia integra 47 países europeus, que representam 800 milhões de europeus e adoptou esta resolução num debate de quatro horas, que decorreu no dia 16 de Abril de 2008, com uma votação de 102 votos a favor contra 69 contra.

Os parlamentares disseram que o aborto deve ser evitado tanto quanto possível e “não deve ser encarado em nenhumas circunstâncias como um método de planeamento familiar”, mas a criminalização não resulta em menos abortos, levando em vez disso a abortos clandestinos traumáticos e a “turismo” para aborto.

A lei permite o aborto para salvar a vida da mulher em praticamente todos os estados membros do Concelho da Europa, notou a Assembleia e na maioria dos países europeus é igualmente permitido por outras razões, dentro de um determinado tempo, com excepção de Andorra, Irlanda, Malta, Mónaco e Polónia, segundo o .  

Na resolução aprovada os parlamentares afirmam que os cuidados de saúde médicos e psicológicos, tal como o acesso financeiro adequado , devem ser oferecidos às mulheres que procuram a IVG e as condições que restringem o acesso ao aborto seguro devem ser levantadas.

Houve igualmente uma recomendação para os alunos das escolas receberem “educação sobre sexo e relações, compulsória, apropriada à idade e sensível às questões de género”, para evitar gravidezes indesejadas e, como tal, abortos.

(Comunicado de imprensa do Conselho da Europa nº: 274(2008)

Leia mais

Simone Veil em Portugal - Direitos humanos e direitos da mulher francesa

Simone Veil veio a Portugal, juntamente com Koffi Annan, no dia 1 de Abril, receber o prémio Norte-Sul do Concelho da Europa. Cavaco Silva entregou este prémio a Simone Veil e congratulou o seu “notável exemplo” na promoção dos direitos humanos, em particular da mulher, das crianças e dos imigrantes.

A história de vida desta mulher, para além de marcada pela sobrevivência ao holocausto nazi, ficou marcada pela lei Veil, quando era ministra da saúde (1974-1979) de França e defendeu, mesmo sendo de direita, uma lei de despenalização do aborto.

 sobre a sua visita

Novidades do Conselho da Europa

O Conselho Europeu adoptou na semana passada um novo texto em que recomenda aos Estados-membro da UE a aplicação de medidas para combater o aborto clandestino. Transcrevemos aqui um pequeno excerto:

The Parliamentary Assembly should therefore invite the member states of the Council of Europe to:
– decriminalise abortion, if they have not already done so;
– guarantee women’s effective exercise of their right to abortion and lift restrictions which hinder, de
jure or de facto, access to safe abortion;
– adopt appropriate sexual and reproductive health strategies, including access of women and men to
contraception at a reasonable cost and of a suitable nature for them as well as compulsory
relationships and sex education for young people.

O texto completo pode ser lido

Um Amanhecer Mais Livre

O dia 12 de Fevereiro de 2007 amanheceu mais livre para todos os portugueses.

Há um ano as mulheres recorriam às urgências dos hospitais com abortos incompletos, feitos clandestinamente. Por medo da lei, da família ou até dos profissionais de saúde, faziam o aborto “naquele sítio” ou com “aqueles comprimidos”. Nos serviços de saúde recebiam apoio médico, o sigilo médico era respeitado, mas não havia acompanhamento, raras vezes havia um diálogo aberto e o seguimento para uma consulta de planeamento familiar nem sempre era feito. O facto de o aborto ser um tabu médico, expresso ainda no seu antiquado Código Deontológico, levou a que esta situação fosse tolerada pela maior parte dos profissionais de saúde. As mulheres foram as principais perdedoras porque, durante décadas, não foram devidamente acompanhadas.

Não se resolve a questão do aborto com propaganda pseudo-científica, destinada a manipular as mulheres portuguesas. Um ano depois, em muitos artigos de opinião volta-se a falar de “síndrome pós-aborto” um diagnóstico inexistente, que serve apenas propósitos políticos. Na campanha do referendo propusemo-nos desconstruir estes falsos argumentos e continuaremos a fazê-lo. Fazer um aborto sem acompanhamento médico, pondo em risco a sua saúde, sob o signo da criminalidade, esse sim, deixa certamente marcas para toda a vida.

As mulheres que fazem hoje uma I.V.G. legal sabem que serão acompanhadas, respeitadas e que tudo será feito para que sejam minimizados os efeitos do momento difícil pelo qual estão a passar. Mas sabem, sobretudo, que não cometem um crime, o que para a sua estabilidade psicológica é muito importante. As informações científicas falsas só aumentam o medo, a ignorância e estimulam o recurso ao aborto clandestino.

Qualquer profissional de saúde que tenha visto uma mulher vítima de um aborto clandestino incompleto com sequelas graves sabe que esta é uma situação humilhante, ignóbil e que nenhuma mulher deveria vivenciar. O aborto clandestino ainda existe. Esta luta ainda não está terminada. Mas, um ano depois, não podemos deixar de nos congratular por as mulheres portuguesas estarem mais próximas dos cuidados de saúde. De Norte a Sul do país, passando pelas ilhas, os profissionais de saúde – médicos, enfermeiros, psicólogos, assistentes sociais, auxiliares – mobilizaram-se para permitir que esta nova lei fosse posta em prática, convictos de que este é um direito ganho pelas mulheres. É de louvar o rápido esforço de reorganização que foi feito pelos serviços de saúde e, principalmente, a extraordinária motivação dos profissionais de saúde (que muitas vezes tiveram de ultrapassar preconceitos no seu local de trabalho) disponibilizando-se, sem ganhar nada em troca, de modo a assimilar esta nova realidade.

Hoje, na minha prática clínica, quando encontro uma mulher que manifesta o desejo de interromper uma gravidez dentro do prazo legal, tenho o dever de a informar de todas as opções que possui, que independentemente da sua decisão será acompanhada por profissionais e que nenhum profissional de saúde as pode julgar.

É imprescindível que todas as mulheres portuguesas compreendam que conquistaram um direito. Ao dizer isto, não faço a apologia do aborto. Faço sim a apologia da escolha, de uma escolha informada e consciente.

No dia 12 de Fevereiro de 2007 e, agora um ano depois, acordámos todos – profissionais de saúde e utentes – com a certeza que o nosso país é mais humano e, acima de tudo, mais livre.

Vasco Freire, Médico

 

Presidente da Associação Médicos Pela Escolha

Hospitais vão reunir dados de complicações após abortos legais e ilegais, sem identificar utentes

Todas as situações de aborto espontâneo e complicações das Interrupções Voluntárias da Gravidez (IVG), legais e ilegais, vão ser registadas pelos hospitais e transmitidas à Direcção-Geral da Saúde (DGS), sem que a utente seja identificada.

Esta informação deverá constar num impresso distribuído pela DGS que se destina ao registo dos atendimentos efectuados no serviço de urgência em situações de aborto espontâneo.

As “complicações de IVG, dentro e fora do quadro legal”, deverão igualmente ser registadas neste impresso, que visa “uma análise prospectiva de âmbito nacional” da evolução destas situações.

Caberá aos serviços de saúde enviar à DGS, de seis em seis meses, os impressos devidamente preenchidos, nomeadamente com dados do processo clínico da urgência.

De acordo com a circular da DGS, o impresso “não deve conter qualquer elemento identificativo da utente”.

O impresso deve ser preenchido apenas no momento da alta e, após o seu preenchimento, “deve ser retirado do processo clínico e transitar para um arquivo próprio”.

Agência Lusa, em 6 de Março de 2008

Números da IVG aquém do esperado…

Nos primeiros seis meses depois da despenalização da Interrupção Voluntária da Gravidez (IVG), 6000 mulheres abortaram a seu pedido, o que constitui pouco mais de metade do previsto, avançou hoje fonte oficial. Os dados dizem respeito a interrupções realizadas até ao fim de Dezembro passado.

Antes da realização do referendo que despenalizou o aborto, as autoridades de Saúde, com base na realidade de outros países europeus, calculavam que viessem a realizar-se 20 mil abortos legais por ano. A extrapolação do valor do primeiro semestre - menos 15 dias, já que a lei vigora desde 15 de Julho de 2007 - para um ano indica valores pouco superiores a 12 mil IVG, o que corresponde a cerca de 60 por cento do perspectivado.

O valor total (6099) corresponde a 97 por cento das interrupções de gravidez realizadas em hospitais públicos e privados, precisou o presidente da Comissão Nacional de Saúde Materna e Neonatal, Jorge Branco. Os restantes três por cento (quase 190 casos) referem-se a situações clínicas ou impostas por outros motivos.

Jorge Branco congratula-se com estes valores, aquém do previsto, e acentua ainda o “grande predomínio” da interrupção da gravidez com recurso a medicamentos em vez da opção pela cirurgia. O especialista, que também é director da Maternidade Alfredo da Costa, em Lisboa, considera esse factor bastante positivo, por o recurso aos medicamentos ser “menos agressivo e menos traumático” para a mulher.

Aplicação da lei decorre sem percalços

Acerca da entrada em vigor da legislação criada depois do “sim” ter vencido o referendo ao aborto, aquele médico disse que “está a decorre sem percalços”, tanto nas instituições de Saúde públicas como nas três privadas que estão autorizadas a fazê-lo.

Outro facto que realça é os 30 abortos realizados a menores de 15 anos - 0,5 por cento do total, enquanto, por idades, a maior concentração ocorre no grupo de mulheres entre os 20 e os 34 anos: 4124 IVG (65,8 por cento do total). Em mulheres com mais de 40 anos, os registos oficiais indicam 503 casos (oito por cento).

Por regiões, em Lisboa e Vale do Tejo realizaram-se mais de metade dos abortos (3547), seguida da região Norte (1173), Centro (382), Algarve (351) e Alentejo (147).

Acresce ainda que dois terços do total de IVG foram realizados em instituições de Saúde públicas e os restantes em estabelecimentos privados, ainda segundo dados oficiais.

Publicado em Publico.PT, a 3 de Março de 2008