Archive for Março, 2008

Mais furo, menos furo…

A bancada parlamentar do PS vai entregar na Assembleia um projecto de lei que visa proibir os piercings na língua e todo e qualquer “furo” em jovens menores. Curioso que o partido da maioria esteja tão preocupado com a saúde dos seus jovens, mas não nos consiga justificar em que indicadores de saúde se baseou para lançar à discussão tão prodigiosa ideia. Por cá, nos Médicos pela Escolha, aguardamos ansiosamente que o Partido Socialista nos apresente os estudos populacionais a que recorreu para demonstrar este “perigoso” problema de saúde pública. E preferimos ficar com alguns furos já mais conhecidos do nosso país: a gravidez na adolescência, a ausência de educação sexual, a transmissão do HIV nos jovens, a discriminação na doação de sangue a homossexuais, a falta de informação sobre as melhores condições para interromper uma gravidez, a distribuição gratuita de anticonceptivos nas escolas, a discriminação no acesso à procriação medicamente assistida, …

Continuamos a aguardar que a bancada do partido do governo dê resposta ao que ainda não teve nas suas hostes vislumbre de preocupação! Enquanto isso pomos pierciengs e somos responsáveis… E não é um paradoxo!

Novos pecados, velhas intolerâncias…

O canal de notícias Bloomberg, publicou ontem aqueles que são os novos “7 pecados mortais” - um ofício do Vaticano dá conta da intenção da igreja católica em modernizar-se actualizando os 7 conhecidos comportamentos fatais tornados públicos no séc. VI. Entre alguns destes pecados estão, tal como a instituição católica os definiu, o controlo da natalidade e a investigação em células estaminais.

Em relação ao primeiro, não nos restam dúvidas da referência explícita que faz à interrupção voluntária da gravidez. O pontificado insiste permanentemente naquilo que é a intolerância e a irresponsabilidade perante um grave problema de saúde pública. Agora que caminhamos para a resolução desta situação em Portugal, é nossa tarefa perceber o que está a acontecer nos restantes países do mundo, sobretudo nos países mais pobres que têm leis restritivas em relação ao aborto. A situação económica que existe em países da África sub-sahariana ou na América Central e do Sul afecta em particular as mulheres - não só porque são as primeiras vítimas da pobreza e da exclusão social, mas também porque não têm acesso facilitado aos meios de controlo da sua reprodução ou a centros de saúde sexual reprodutiva. Nestes locais, onde o direito a escolher o seu futuro e a decidir sobre a sua família e o seu corpo estão “embargados” por dificuldades económicas, a restrição no acesso à IVG só vem acentuar essas mesmas dificuldades.

A igreja católica (que neste mesmo ofício elege a pobreza como pecado mortal) contradiz-se. Porque ignora que a incapacidade das mulheres decidirem a sua vida reprodutiva reproduz essa mesma pobreza. Porque ignora que a inacessibilidade a uma saúde sexual e reprodutiva consistente as torna vulneráveis à exploração, à doença e à submissão. Mas acima de tudo, o patriarcado católico ignora o relatório publicado pela ONU há cerca de 1 ano, que elege a desigualdade de género como o factor cimeiro de perpetuação da pobreza - não nos espanta, a dificuldade no acesso a uma IVG medicamente assistida ainda hoje é responsável por 60000 mortes anuais, em todo o Mundo.

Mas a formulação do pecado adoptada pela Igreja é curiosa: “birth control” - deixa-nos margens alargadas à imaginação para percebermos o óbvio: é pecado usar contraceptivos! No séc. XXI, 1400 anos depois da edição da 1ª versão dos pecados mortais, o catolicismo institucional continua séculos atrás da realidade social. Prefere colocar a cabeça na areia e fingir que no Mundo não se fazem abortos ilegais, não se tem relações sexuais antes do casamento, a SIDA só ataca os pecadores sem salvação e que mais vale morrer de cancro e sem pecado, do que permitir a investigação em células estaminais para que no futuro o possamos vencer.

Bruno Maia, Médicos Pela Escolha

Hospitais vão reunir dados de complicações após abortos legais e ilegais, sem identificar utentes

Todas as situações de aborto espontâneo e complicações das Interrupções Voluntárias da Gravidez (IVG), legais e ilegais, vão ser registadas pelos hospitais e transmitidas à Direcção-Geral da Saúde (DGS), sem que a utente seja identificada.

Esta informação deverá constar num impresso distribuído pela DGS que se destina ao registo dos atendimentos efectuados no serviço de urgência em situações de aborto espontâneo.

As “complicações de IVG, dentro e fora do quadro legal”, deverão igualmente ser registadas neste impresso, que visa “uma análise prospectiva de âmbito nacional” da evolução destas situações.

Caberá aos serviços de saúde enviar à DGS, de seis em seis meses, os impressos devidamente preenchidos, nomeadamente com dados do processo clínico da urgência.

De acordo com a circular da DGS, o impresso “não deve conter qualquer elemento identificativo da utente”.

O impresso deve ser preenchido apenas no momento da alta e, após o seu preenchimento, “deve ser retirado do processo clínico e transitar para um arquivo próprio”.

Agência Lusa, em 6 de Março de 2008

Números da IVG aquém do esperado…

Nos primeiros seis meses depois da despenalização da Interrupção Voluntária da Gravidez (IVG), 6000 mulheres abortaram a seu pedido, o que constitui pouco mais de metade do previsto, avançou hoje fonte oficial. Os dados dizem respeito a interrupções realizadas até ao fim de Dezembro passado.

Antes da realização do referendo que despenalizou o aborto, as autoridades de Saúde, com base na realidade de outros países europeus, calculavam que viessem a realizar-se 20 mil abortos legais por ano. A extrapolação do valor do primeiro semestre - menos 15 dias, já que a lei vigora desde 15 de Julho de 2007 - para um ano indica valores pouco superiores a 12 mil IVG, o que corresponde a cerca de 60 por cento do perspectivado.

O valor total (6099) corresponde a 97 por cento das interrupções de gravidez realizadas em hospitais públicos e privados, precisou o presidente da Comissão Nacional de Saúde Materna e Neonatal, Jorge Branco. Os restantes três por cento (quase 190 casos) referem-se a situações clínicas ou impostas por outros motivos.

Jorge Branco congratula-se com estes valores, aquém do previsto, e acentua ainda o “grande predomínio” da interrupção da gravidez com recurso a medicamentos em vez da opção pela cirurgia. O especialista, que também é director da Maternidade Alfredo da Costa, em Lisboa, considera esse factor bastante positivo, por o recurso aos medicamentos ser “menos agressivo e menos traumático” para a mulher.

Aplicação da lei decorre sem percalços

Acerca da entrada em vigor da legislação criada depois do “sim” ter vencido o referendo ao aborto, aquele médico disse que “está a decorre sem percalços”, tanto nas instituições de Saúde públicas como nas três privadas que estão autorizadas a fazê-lo.

Outro facto que realça é os 30 abortos realizados a menores de 15 anos - 0,5 por cento do total, enquanto, por idades, a maior concentração ocorre no grupo de mulheres entre os 20 e os 34 anos: 4124 IVG (65,8 por cento do total). Em mulheres com mais de 40 anos, os registos oficiais indicam 503 casos (oito por cento).

Por regiões, em Lisboa e Vale do Tejo realizaram-se mais de metade dos abortos (3547), seguida da região Norte (1173), Centro (382), Algarve (351) e Alentejo (147).

Acresce ainda que dois terços do total de IVG foram realizados em instituições de Saúde públicas e os restantes em estabelecimentos privados, ainda segundo dados oficiais.

Publicado em Publico.PT, a 3 de Março de 2008