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A polémica da conferência sobre VIH/SIDA no México

Especialistas suíços afirmam que os seropositivos com carga viral indetectável e sem infecções de transmissão sexual não transmitem o VIH por via sexual

Edwin J. Bernard

Especialistas suíços emitiram pela primeira vez um documento de consenso afirmando que as pessoas seropositivas sob tratamento anti-retroviral eficaz e sem outras infecções de transmissão sexual (ISTs) não transmitem sexualmente o vírus da imunodeficiência humana. Esta declaração foi publicada no Bulletin of Swiss Medicine (Boletim Médico Suíço). O documento discute igualmente as implicações no que se refere aos médicos, às pessoas seropositivas, na prevenção e no sistema judicial.

A declaração apresentada em nome da Comissão Federal Suíça para a infecção pelo VIH/SIDA, é da autoria de 4 dos mais reconhecidos especialistas em VIH: Prof. Pietro vernazza, do Hospital Cantonal de St. Gallen e Presidente da Comissão Federal Suíça para o VIH/SIDA; Prof. Bernard Hirschel do Hospital Universitário de Genéva; Dr. Enos Bernasconi do Hospital Regional de Lugarno e o Dr. Markus Flepp, Presidente do sub-comité para os aspectos clínicos e terapêuticos da infecção pelo VIH/SIDA da Comissão Federal Suíça de Saúde Pública.

Na declaração destaca-se a seguinte afirmação “após a revisão da literatura médica e extensiva discussão” a Comissão Federal Suíça para a infecção pelo VIH/SIDA concluí que “uma pessoas seropositiva sob tratamento anti-retroviral, com completa supressão viral (terapêutica eficaz) não é sexualmente infecciosa, ou seja, não transmite sexualmente o VIH.”

No documento é explicitado que tal facto se aplica:

  • Se a pessoa seropositiva adere à terapêutica anti-retroviral, sendo que tal adesão deve ser avaliada regularmente pelo seu medico,
  • Se a carga viral se mantêm suprimida (< 40 cópias/ml) pelo menos por um período de 6 meses, e
  • Se não co-existem outras infecções de transmissão sexual.

O artigo começa por declarar que a Comissão “reconhece que os dados médicos e biológicos disponíveis não permitem provar que a infecção pelo VIH sob terapêutica anti-retroviral eficaz é impossível, uma vez que a não ocorrência de um facto improvável não pode ser provada. Se, por exemplo, a transmissão não ocorreu em 100 casais observados durante dois anos, tal não quer dizer que se 10.000 casais fossem observados durante 10 anos, isso não viesse a acontecer. A situação é análoga à ocorrida em 1986, quando se declarou que “o VIH não se transmite pelo beijo”. Esta conclusão também não foi provada, mas após 20 anos de experiência a sua fiabilidade é altamente plausível.”

Refere ainda que a evidência que levou a Comissão à declaração sobre a relação entre o tratamento e a transmissão do VIH baseia-se num conhecimento muito mais vasto do que o que existia quando em 1986 se declarou que o VIH não se transmitia pelo beijo.

Citam, por exemplo, Quinn e colegas que concluíram que nos casais serodiscordantes o risco de transmissão depende da carga viral do parceiro seropositivo e referem igualmente um estudo prospectivo de Castillla e colaboradores, que incluiu 393 casais heterossexuais serodiscordantes. No referido estudo não se verificaram infecções nos parceiros de pessoas seropositivas sob medicação anti-retroviral, em comparação com uma transmissão de 8,6% entre parceiros de pessoas não tratadas. Referem igualmente que a transmissão mãe-filho também depende da carga viral da mãe e que tal pode ser evitado tratando a mãe.

Prosseguem referindo que a terapêutica anti-retroviral eficaz elimina o VIH nas secreções genitais. Afirmam que a carga viral do VIH, medida no esperma, declina para níveis indetectáveis na presença de terapêutica anti-retroviral e que a carga viral também é indetectável nas secreções genitais femininas, em regra, sob esta medicação. “Em regra”, referem, “aumenta após, e não antes, do aumento da carga viral no sangue”.

Também afirmam que embora existam células associadas ao genoma viral nas secreções genitais, mesmo sob terapêutica anti-retroviral, tal não se traduz em infecciosidade uma vez que “estas células não têm marcadores de proliferação viral tais como LTR-DNA circular”.

Prosseguem, afirmando, que a concentração do RNA do VIH no esperma se correlaciona com o risco de transmissão e que “o risco de transmissão declina para zero, quando não existe carga viral no esperma”. Estes dados indicam que o risco de transmissão decresce grandemente na presença de terapêutica anti-retroviral”.

Acrescentam, contudo, várias excepções e dificuldades ao que acima é referido:

  • Após alguns dias ou semanas de interrupção da terapêutica anti-retroviral a carga viral no sangue aumenta rapidamente. Existe, pelo menos, um caso reportado de transmissão durante este período.
  • Nos doentes que não estão sob terapêutica anti-retroviral, as ISTs, tais como, uretrite ou outra doença ulcerativa genital, aumentam a carga viral nas secreções genitais, descendo esta após o tratamento da infecção de transmissão sexual.
  • Num doente com uretrite, a carga viral no esperma pode aumentar ligeiramente mesmo sob terapêutica anti-retroviral eficaz. Este aumento é pequeno e muito inferior ao que se observa nos doentes que não estão a fazer terapêutica.

Os autores concluem a parte cientifica do artigo referindo que “Sob terapêutica anti-retroviral eficaz, não é possível detectar partículas virais no sangue ou nas secreções genitais. Os dados epidemiológicos e biológicos indicam que sob a acção da terapêutica anti-retroviral, não existe risco relevante de transmissão. Um risco residual não pode ser cientificamente excluído, mas segundo a Comissão é negligenciável”.

Implicações Médicas

A Comissão prossegue discutindo as implicações do documento da relação médico-doente. Afirma que “a informação tem como objectivo comunicar aos médicos os critérios que lhes permitem estabelecer se um determinado doente pode ou não transmitir o VIH sexualmente.

O VIH não se transmite sexualmente se:

  • Uma pessoa seropositiva adere à medicação anti-retroviral prescrita de forma consistente e é seguida regularmente pelo seu/sua médico/a
  • A carga viral é indetectável e permanece como tal por um período de pelo menos 6 meses.
  • A pessoa seropositiva não apresenta outras ISTs”.

Implicações para os doentes

A Comissão afirma que um seropositivo numa relação estável com um/a parceiro/a seronegativo/a, que adere à terapêutica anti-retroviral prescrita de forma consistente e que não é portador/a de outra IST não “expõe o parceiro/a a risco de transmissão sexual”.
“Os casais devem compreender”, escrevem os autores, “que a adesão deve ser omnipresente na relação quando decidem não usar protecção, e que devido à importância de outras ISTs, as regras dos contactos fora da relação devem ser definidas”.
“O mesmo se aplica a quem não se encontra numa relação estável”, acrescentam os autores. Contudo e devido à importância das ISTs, o uso de preservativo continua a ser recomendável.
Realçam que as mulheres seropositivas deverão ter em conta eventuais interacções entre os medicamentos contraceptivos e os medicamentos anti-retrovirais, quando decidirem deixar de usar preservativos.
Consideram igualmente que a inseminação com lavagem de esperma deixa de estar indicada quando “o tratamento anti-retroviral é eficaz”.

Implicações na prevenção

A comissão afirma que “actualmente, não recomenda o inicio do tratamento anti-retroviral puramente por razões preventivas”. Para além dos custos envolvidos, argumentam que não é certo que as pessoas seropositivas para o VIH possam estar suficientemente motivadas para aderir ao tratamento a longo prazo, sem que existam indicações médicas para tal. Reforçam que a fraca adesão à terapêutica facilita o desenvolvimento de resistências e que, como tal, a terapêutica anti-retroviral como prevenção está indicada apenas em “circunstâncias excepcionais para doentes altamente motivados”.
A Comissão afirma ainda que a declaração não deve implicar mudanças nas estratégias de prevenção actualmente em uso na Suíça. À excepção dos casais estáveis em que se prova existir uma eficácia da terapêutica anti-retroviral, as medidas de protecção devem ser tomadas em todas as circunstâncias. “As pessoas que não têm uma relação estável devem proteger-se”, referem os autores, “uma vez que não podem verificar se o/a parceiro/a é seropositivo/a ou está sob terapêutica anti-retroviral eficaz”.

Implicações legais

Para concluir, a Comissão afirma que os tribunais deverão ter em consideração o facto de que as pessoas seropositivas sob terapêutica anti-retroviral e sem outras ISTs, não transmitem por via sexual o VIH, nos casos de exposição e transmissão criminosa.
Concluem, afirmando que a Comissão considera que as relações sexuais não protegidas entre uma pessoa seropositiva sob tratamento anti-retroviral eficaz e sem outras iSTs e uma pessoa seronegativa para o VIH, não cumprem o critério de “tentativa de propagação de doença perigosa” de acordo com o artigo 231 do código penal Suíço, nem com a “tentativa de provocar grave dano corporal”, de acordo com os artigos 122, 123 e 125.

Referência: Vernazza P et al. . Bulletin des médecins suisses 89 (5), 2008.

De novo os grupos de risco…E o risco dos grupos!

No VIH/SIDA falar de grupos vulneráveis à infecção, grupos com vulnerabilidades específicas, ou os grupos de risco que a prevenção tanto tenta e tentou combater, traz o risco da estigmatização de certos grupos sociais…Mas do ponto de vista da epidemia - fará sentido? E a prevenção generalizada atingirá alguém?

No Jornal o Público, de dia 9 de Junho de 2008:

Pela primeira vez desde o início da doença, a Organização Mundial da Saúde (OMS) admite que o risco de uma epidemia global de sida entre os heterossexuais deixou de fazer sentido. A excepção é o continente africano, onde em países como a Swazilândia 40 por cento da população adulta está infectada.
Na edição de ontem do jornal britânico The Independent a OMS reconhece que a estratégia global usada pelas principais organizações de combate à doença poderá ter errado o alvo. O epidemiologista que encabeça o combate ao vírus do HIV na OMS, Kevin De Cock, afirma que a forma de olhar a luta contra a doença se alterou. Se até agora o vírus da sida era considerado uma ameaça à generalidade da população, neste momento reconhece-se que, fora da África subsariana, se pode voltar a falar de grupos de risco, ou seja a aposta da prevenção deve ser feita entre os homens que têm sexo com homens, utilizadores de drogas injectáveis ou entre prostituta(o)s e seus clientes.
É muito pouco provável a existência de uma epidemia entre os heterossexuais de outros países [que não os africanos], afirmou Kevin De Cock. Há dez anos muitos defendiam que haveria uma epidemia generalizada na Ásia com a populosa China no centro das preocupações. Isso já não é provável. Mas temos de ser cuidadosos. Poderá haver alguns surtos nalgumas áreas, admite.
Em 2006, o relatório do fundo global das Nações Unidas para o combate ao HIV, malária e tuberculose alertava para a situação alarmante da propagação da doença na Rússia, onde um por cento da população estava infectada. Apesar dos números serem semelhantes aos registados em 1991 na África do Sul onde o vírus atinge já 25 por cento da população Kevin de Cock desdramatiza: “Acho pouco provável que haja uma grande propagação da doença entre os heterossexuais. Mas haverá certamente alguma”.
O relatório conjunto da OMS e da ONUSida, publicado este mês, é bem revelador do impacto da doença no mundo, onde há 33 milhões de pessoas infectadas com o vírus, das quais 2,5 milhões são novas infecções. Nos países em desenvolvimento estima-se que existem cerca de 9,7 milhões de pessoas a precisar de tratamento anti-retroviral, mas apenas três milhões conseguem tratamento.
Em Portugal  que continua a bater recordes europeus no número de infecções anuais por milhão de habitantes a principal forma de propagação do vírus é através das relações heterossexuais. É por isso com alguma cepticismo e cautela que os clínicos reagem a esta mudança na forma de encarar a propagação da doença..
Esta mudança de discurso é o desdramatizar da catástrofe no número de novas infecções que se previa há alguns anos em países como a China. Afinal não vamos ter um cenário tão negro, explica José Vera, responsável pela unidade de tratamento de HIV/sida do Hospital de Cascais. Mas isto não quer dizer que a situação não se vá alastrando, alerta o especialista. A via heterossexual será sempre o reservatório futuro da infecção pelo HIV, diz o especialista.
O mesmo defende o responsável pelo Laboratório de Virologia do Hospital Egas Moniz, lembrando que em Portugal as relações sexuais entre heterossexuais continuam a ser a principal forma de contágio, alerta. E acrescenta que é fundamental apostar na informação e formação.
Kevin de Cock diz que a grande aposta da prevenção da doença deve ser feita junto dos principais grupos de risco
(Público - 09.06.2008 )