Movimento Médicos Pela Escolha

Profissionais e institucionais estrangeiros, ligados à saúde, apoiam os Médicos Pela Escolha e o SIM no Referendo

8 Fevereiro 2007

Os Médicos Pela Escolha lançaram recentemente uma petição internacional de apoio à despenalização da interrupção voluntária da gravidez em Portugal. Esta petição, destinada apenas a profissionais de saúde e a instituições com trabalho nesta área, reuniu em poucos dias um número considerável de assinaturas provenientes dos vários cantos do mundo (Canadá, Holanda, Bélgica, EUA, França, Suíça, Grã-Bretanha, Escócia, Geórgia, Grécia, Alemanha, Colômbia, Áustria, Luxemburgo, Itália, Polónia) e de inúmeras instituições internacionais (International Planned Parenthood Federation, Canadians for Choice, Gynuity Health Projects, Women’s Health Concern, Fundación Oriéntame, Women on Waves, Mouvement Français pour le Planning Familial, M edecins du Monde, Amnesty Intrenational, Marie Stopes International, Fédération Laïque de Centres de Planning Familial).

Esta solidariedade é significativa e sintomática do amplo consenso internacional que une os profissionais de saúde na luta contra o aborto clandestino enquanto grave problema de saúde pública. A grande maior parte dos países europeus conseguiu já resolver este problema despenalizando a interrupção voluntária da gravidez e investindo no planeamento familiar e educação sexual. Muitos dos subscritores da petição reconhecem na actual situação portuguesa a situação vivida nos seus países há algumas décadas e não quiseram deixar de enviar uma palavra de encorajamento:

“Tornar o aborto legal não é apenas uma questão de direitos humanos. Trata-se também da saúde e sobrevivência das mulheres. Fazer do aborto um crime não reduz o número de abortos e põe em causa a saúde e a vida das mulheres. A maior parte dos países desenvolvidos já legalizaram o aborto há 30-40 anos de forma a tornar os seus países seguros para as mulheres. Esta mudança teve um enorme impacto, um impacto positivo, na saúde das mulheres. Como consequência, a grande maioria da população destes países aceita que não existe alternativa viável ao aborto legal. Espero sinceramente que o sim vença no referendo para que as mulheres portuguesas possam ter acesso aos cuidados de saúde que se tornaram a norma na União Europeia.” – Ginecologista e Obstetra, Áustria

“Conheci o drama do aborto ilegal em França nos anos 60. Entretanto, a mortalidade associada desapareceu no país e a morbilidade é muito baixa. O aborto ilegal é um grave problema de saúde pública.” – Ginecologista do Hospital Broussais em Paris.

“Vivemos a mesma situação na Bélgica nos anos 60. Boa sorte!” – Clínico de Medicina Geral e Familiar, Bélgica.

“Emociona-me esta iniciativa proveniente de profissionais que sentirão certamente, por vezes, a dificuldade que representa interromper uma gravidez. Colocando, desta forma, os seus sentimentos de lado, eles apoiam uma causa que é a causa de todas as mulheres. (…) Não esqueçamos que qualquer mulher se pode ver confrontada com esta situação ainda que ’sempre tenha sido contra o aborto’. Perante uma situação de grande angústia todos os dogmas, políticos ou religiosos, se tornam relativos.” – Ginecologista e Obstetra do Centro Hospitalar Universitário Vaudois, Lausanne.

“É importante para Portugal, enquanto Estado moderno, apoiar os direitos humanos, a saúde das mulheres e o direito a optar.” – Especialista em Saúde Reprodutiva, Marie Stopes International.

“Sejamos a favor ou contra a interrupção voluntária da gravidez, o problema da gravidez indesejada subsistirá sempre. Enquanto médico não posso aceitar que uma interrupção voluntária da gravidez se faça em más condições. A saúde das mulheres exige a despenalização do aborto para que possam fazer uma escolha responsável em boas condições sanitárias.” – Giecologista, Bruxelas.

“O acesso ao aborto seguro é uma parte essencial da prestação de cuidados de saúde e não apenas um direito abstracto.” – Investigador na área de Serviços de Saúde, Londres.

“As políticas de saúde não devem contribuir para a morte de mulheres, devem, sim, garantir que estas possam viver com saúde, dignidade e o apoio das suas famílias e sociedade.” – Gestora de Cuidados de Saúde, Reino Unido

“É uma pena que mulheres europeias, em pleno século XXI, ainda não tenham direito ao aborto seguro. É evidente que quando uma mulher não quer levar a termo a sua gravidez, seja por que motivo for, ela encontrará uma maneira de a interromper. Temos de lhe dar a possibilidade de o fazer em segurança.” – Socióloga na área da medicina, Grécia

“Liberdade de escolha pela segurança da vida. Chega de dominação integrista e religiosa. Estamos no século XXI – deixemos os médicos fazer o seu trabalho e a religião ocupar-se das almas.” – Clínico Geral, França

“Acredito que as políticas governamentais devem responder às necessidades das mulheres, dando-lhes a possibilidade de decidir quando e quantos filhos querem ter.” – Investigador na área da saúde, Washington.

“Espero que mais nenhuma mulher portuguesa ponha em risco a sua vida e a sua saúde reprodutiva por recorrer ao aborto clandestino.” – Sexóloga, Liège.

“Deixar a escolha às mulheres e/ou ao casal é um valor fundamental que deveria ser garantido em todos os países. As pessoas são livres de escolher a sua religião, deveriam sê-lo também em relação ao seu corpo, qualquer que seja a sua nacionalidade. Esta é uma questão de Saúde Pública! Espero que o voto do dia 11 de Fevereiro vá nesse sentido. Espero ainda que as Irlandesas, as Polonesas, as Cipriotas, assim como as habitantes de Malta, tenham em breve esta oportunidade.” – Clínico Geral, França.

HONESTIDADE CIENTÍFICA: UNS TÊM, OUTROS NÃO!

6 Fevereiro 2007

O movimento MÉDICOS PELA ESCOLHA vem por esta via reagir peremptoriamente às declarações - ontem proferidas no programa da RTP , Prós e Contras, e hoje publicadas em alguns jornais - de Jerónima Teixeira, investigadora portuguesa em Inglaterra, sugerindo que um feto sentiria dor antes das dez semanas de gestação.

Qualquer credibilidade científica que pudesse ser reconhecida a esta investigadora é obviamente maculada pela forma manipulatória como Jerónima Teixeira apresentou a sua argumentação, ao reconhecer ela mesma que “a sensação de dor no feto só está provada a partir das 22 semanas”.

A primeira condição para se ser cientista é estar pronto a admitir o erro, que normalmente se apura através da avaliação dos pares: no caso, é fácil verificar que não há consenso algum na comunidade científica de que um feto nas primeiras dez semanas sinta dor.

Todas as considerações feitas por Jerónima Teixeira sugerindo que o mesmo fenómeno poderá ser estabelecido antes das 10 semanas de gestação conformam mera especulação politicamente orientada e naturalmente incompatível e descredibilizadora de qualquer discurso científico sobre a matéria.
O que Jerónima Teixeira esconde, na realidade, ao dizer que às 10 semanas de gestação um feto tem já em desenvolvimento os “receptores de dor” é que nesta fase, apesar do feto ter os referidos receptores, ESTABELECIDAMENTE NÃO TEM OS MECANISMOS que lhe permitam a PERCEPÇÃO DE QUALQUER DOR, nomeadamente as ligações cerebrais necessárias para tal sensibilidade, como foi aliás bastante comprovado, sem qualquer contestação, no recente congresso da Ordem dos Médicos sobre o início da vida.

O movimento Médicos Pela Escolha lamenta, portanto, esta manipulação grosseira de dados científicos que na verdade constituem uma completa fraude destinada a confundir a opinião pública e descentrar o debate da verdadeira questão colocada no referendo: a despenalização para o fim do sofrimento causado pelo aborto clandestino.

OU NÃO SENTIRÃO DOR AS MULHERES FALECIDAS POR ABORTO CLANDESTINO OU OS MILHARES DAQUELAS QUE SOFREM TODAS AS COMPLICAÇÕES DE SAÚDE QUE SE CONHECEM DERIVADAS DO ABORTO CLANDESTINO?

Aborto e saúde mental

11 de Janeiro 2007

A verdade científica sobre as consequências psicológicas/psiquiátricas do Aborto e o esgrimir de estudos desacreditados pelo movimento “Não Obrigado”

Em necessária resposta às sucessivas falsas declarações e afirmações desprovidas de base científica sobre a dimensão psicológica e psiquiátrica da Interrupção Voluntária da Gravidez, que têm vindo a ser sustentadas publicamente por partidários do movimento pelo voto Não ligados à área da Saúde, o movimento Médicos Pela Escolha realizou hoje uma conferência de imprensa com especialistas e peritos destas áreas para prestar um esclarecimento indispensável e aprofundado da opinião pública sobre a matéria, fundamentado nos muitos dados científicos e estudos fidedignos existentes , e não em posições morais ou políticas sobre o Aborto ou estudos já desacreditados na comunidade científica internacional que ainda hoje voltaram a ser utilizados pelo campo do “Não”.

Esta manhã, em Lisboa, Maria Belo, psicanalista, as psicólogas Marta Crawford e Cecília Costa e os psiquiatras Manuela Silva, Álvaro de Carvalho e Ana Matos Pires esclareceram contundentemente os seguintes factos:

- Não existe um síndrome pós-aborto : os estudos da comunidade médica internacional são claros ao não estabelecerem a sua existência. Os estudos revelam, por exemplo, que os sintomas de stress relacionados com o aborto são mais intensos na maioria dos casos antes da sua realização, diminuindo após a interrupção da gravidez.
A referência insistente a tal fenómeno não é mais do que uma invenção politicamente orientada.

- Os estudos ainda hoje apresentados pelo movimento “Não Obrigado” são, como tivemos oportunidade de demonstrar, estudos enganosos , feitos com base em amostras não representativas da população, resultando em conclusões abusivas, e por isso mesmo não respeitados nem tidos em conta pela comunidade científica internacional

- Perante uma gravidez não-desejada, o papel do médico é obrigatoriamente a prestação de um aconselhamento não-directivo , que constitui a única salvaguarda da decisão em consciência;
Vai contra toda a ética médica sustentar ou, pior, praticar o contrário, tentando induzir na paciente uma decisão em qualquer dos sentidos.

- Enquanto médicos e profissionais de saúde, não podemos deixar de nos manifestar chocados com o papel assumido por alguns profissionais de saúde partidários do “Não”, promovendo uma total ausência de rigor científico e pactuando com a desinformação da opinião pública num debate que, independentemente da tendência de voto neste Referendo, só será sério e democrático enquanto se pautar pelo rigor da informação e dos dados científicos.

Junto enviamos, para esclarecimento aprofundado da informação científica disponível sobre o aborto e a dimensão psicológica/psiquiátrica, duas das esclarecedoras intervenções hoje proferidas na nossa conferência de imprensa .

Aborto e consequências psicológicas

Cecília Costa, psicóloga

Nas últimas duas décadas foi possível alcançar um consenso na comunidade médica e científica que a maioria das mulheres que interrompem uma gravidez a presença de sequelas psicológicas estão ausentes ou são mínimas, mas apesar desta evidência obtida a partir de inúmeros estudos, cientificamente válidos, realizados depois da década de oitenta, continua-se a questionar a capacidade da mulher ultrapassar de forma adaptativa a interrupção de uma gravidez indesejada.
Os principais estudos que apontam a existência de problemas psicológicos graves foram produzidos entre as décadas de 50 e finais de 70 e estão imersos em problemas metodológicos. Alguns dos estudos foram realizados em momentos em que o aborto ainda era ilegal ou para o conseguir era necessário provar uma perturbação psiquiátrica grave o que explica em certa medida os resultados.
Enuncio aqui alguns dos erros metodológicos flagrantes que se encontram nestes estudos recentemente veiculados:
- É frequente encontrar amostras pequenas e não representativas, análise de dados pobre e incipiente, a ausência de grupos controlo, e questões de investigação inválidas; populações específicas ( p.e. famílias pobres)
- a confusão entre perturbação mental e sentimentos ou estados emocionais temporários;
- uso de conceitos muito vagos como trauma, sabendo que uma situação pode ser traumática para uma pessoa e não ser para outra.
- A confusão sistemática entre dificuldades ocasionais nos relacionamentos, emoções passageiras e estilos de personalidade com Perturbações Psiquiátricas
- Incapacidade de distinguir a relação temporal da relação etiológica - concluir que a causa dos problemas psiquiátricos era a interrupção da gravidez – não se pode inferir a correlação entre duas variáveis de forma directa (ex. nº de igrejas e nº de bares → beber leva as pessoas a serem católicas )
- Omissão dos internamentos no ano prévio
- Não controlam outros indicadores prévios de PM
É importante lembrar que as situações de vida das mulheres comparadas diferem de tal forma que têm consequências na sua saúde mental. E que seria impossível fazer um estudo realmente sério sobre o aborto pois teríamos de forçar as mulheres a prosseguirem com uma gravidez indesejada o que seria eticamente questionável.

No final da década de 80 foi colocado o desafio às associações profissionais de psicologia e psiquiatria de tomarem uma posição científica relativamente a este debate sobre as potenciais sequelas psíquicas da interrupção da gravidez, ao qual a APA respondeu com uma meta-análise envolvendo centenas estudos sobre os efeitos da interrupção voluntária da gravidez. A partir desta revisão da literatura apresentada no American Psyhologist e na revista Science conclui-se que as evidências encontradas apontam para que ‘a probabilidade do aborto conduzir a respostas psicológicas severas é mínima e que os aspectos psicológicos identificados podem ser compreendidos dentro de um quadro de coping e stress normal mais do que dentro de um modelo psicopatológico’ (Adler et al., 1992). Mais recentemente foi publicada uma meta-análise envolvendo os estudos publicados na década de 90 e aponta as mesmas conclusões referindo que ‘as mulheres que fazem um aborto estão mais ansiosas e tensas do que outras mulheres grávidas ou mulheres cuja gravidez é ameaçada por aborto, mas a longo prazo não estão pior psicologicamente do que as mulheres que levar a gravidez a termo. A auto-estima parece não ser afectada durante o processo’ (Bradshaw & Slade, 2003) refere ainda que os dados desta revisão estão de ‘acordo com os encontrados em revisões anteriores nas quais era referido que a perturbação psicológica era mais intensa antes do aborto e depois diminuía após o aborto’.
Nos países onde o aborto se tornou num procedimento médico, legal, seguro existe uma evidência consistente de que as pacientes típicas que recorrem à interrupção da gravidez são mulheres normais que têm uma decisão clara e definida sobre a interrupção da gravidez poucos dias após a descoberta de uma gravidez indesejada, e finalmente que ultrapassam o procedimento virtualmente intactas (Arthur, 1997).
A incidência de perturbações psiquiátricas em mulheres que recorreram ao aborto é semelhante à verificada em mulheres com as mesmas características sócio-demográficas que não abortaram. No entanto nas mulheres purpúreas são significativamente superiores às verificadas em mulheres que interromperam a gravidez (Stotland, 1997).
Habitualmente nas mulheres que apresentam problemas psiquiátricos posteriores à interrupção da gravidez já apresentavam problemas psicopatológicos prévios, sendo mais frequente entre as mulheres que sofreram pressão exterior, tiveram dificuldade em conseguir os cuidados médicos, tiveram pouco suporte social ou que vivem em contextos sociais e de vida mais aversivos (Stotland, 1992)
Ao longo das últimas três décadas e de forma sistemática, a literatura científica tem mostrado que as mulheres tendem a lidar eficazmente com a interrupção da gravidez e que posteriormente prosseguem normalmente com as suas vidas (Adler et al., 1992; Russo & Zierk, 1992; Russo & Dabul, 1997; Bradshaw & Slade, 2003). A partir da investigação também sabemos que as respostas psicológicas são melhores quando as pacientes são capazes de tomar decisões autonomamente e quando essas escolhas são apoiadas pela sua rede de suporte social (Stotland, 2001).
Alguns estudos:
§ Estudo sobre as respostas psicológicas depois de uma interrupção voluntária da gravidez no primeiro trimestre com mais de quatro centenas de mulheres mostra que: a maioria das mulheres não experienciam quaisquer problemas psicológicos ou arrependimento 2 anos após o aborto, contudo algumas experienciam-no. As que tendem a ter uma história prévia de depressão. Para a maioria das mulheres, o aborto induzido de uma gravidez inesperada não coloca riscos à sua saúde mental (Major et al., 2000)
§ Um estudo publicado em 2003 analisa o ajustamento pós-aborto entre as adolescentes e conclui: ‘Há luz destes resultados, os nossos resultados têm implicações importantes, pois eles evidenciam que a interrupção voluntária da gravidez quando escolhida de livre vontade, não coloca qualquer ameaça à saúde e bem-estar psicológico das adolescentes’ (Adler et al., 2003)
§ Num estudo que analisa a relação do aborto com o bem-estar da mulher no contexto de experiências de maternidade ao longo de 8 anos utilizando uma amostra nacional de 5,295 mulheres americanas mostra que não foi encontrada evidência de trauma pós-aborto. Concluindo que fazer uma interrupção da gravidez estava positivamente associado com uma auto-estima global positiva, em particular sentimentos de auto-valia, capacidade e não se sentir como uma falhada. Este estudo sugere que a relação entre a interrupção da gravidez e o bem-estar é reflexo da importância do controlo a fertilidade e a sua relação com os recursos de coping da mulher, estes estão associados com o emprego, salário, e educação e são muito mais importantes para o seu bem-estar do que se ela interrompeu ou não uma gravidez. Mais ainda, até ao momento a maternidade interfere com o acesso a esses recursos, o aborto pode ter um papel importante na mediação e moderação os papéis na promoção do bem-estar das mulheres (Russo e tal., 1992)
§ Este estudo analisa as implicações para o aconselhamento sobre o aborto. Porque a mulher que abortam estão em risco de censura social e condenação moral por parte dos outros, podem acabar por se encontrarem encurraladas entre querer falar sobre os sentimentos sobre o aborto com os outros e temerem serem olhadas de lado pelos outros se o seu aborto for conhecido pelos outros. A investigação actual sugere enquanto o aborto for um estigma que o preço quer de expressar ou contar quer de ocultar pode ser elevado (Major & Gramzow, 1999)
As mulheres que decidem terminar a gravidez fazem-no porque elas sentem que é a melhor solução numa situação difícil. Como é que as mulheres se ajustam a uma escolha de vida difícil é determinada por muitos factores, incluindo a sua personalidade e as estratégias de coping ( p.e. Major e tal., 1998) bem como as pessoas que lhe são próximas reagem (e.g., Major et al., 1997).
Existe uma elevada probabilidade de que os factores que contribuem para uma concepção indesejada e para a decisão de interromper uma gravidez se mantenham depois da interrupção da gravidez. Estes motivos incluem frequente o facto de serem muito jovens, problemas económicos, problemas emocionais, problemas de suporte social, ter a cargo outros membros da família e um relacionamento afectivo instável ou ausente com o parceiro. (Stotland, 2003)
Finalmente, as mulheres que optam pela maternidade têm maior probabilidade de planearem e desejarem a gravidez e de se sentirem capazes emocional e financeiramente para assumirem a gravidez. As mulheres que optam pelo aborto tem maior probabilidade de referir problemas económicos, problemas no relacionamento e a sua incapacidade para assumir a maternidade e têm menor probabilidade de serem casadas ou terem um relacionamento estável (Major, 2003)
A política e os valores é que moldam a forma como é conduzida e interpretada a investigação sobre as consequências psicológicas do aborto. Como a maioria das pessoas não são especialistas são incapazes de avaliar a validade destas afirmações.
Contudo é importante reconhecer que um pequeno número de mulheres pode precisar de um aconselhamento mais específico durante o processo de tomada de decisão e após a interrupção, cabe aos profissionais de saúde minimizar os danos impostos pelas campanhas de desinformação perigosas e irresponsáveis.
Um questão por vezes esquecida são as consequências da gravidez indesejada sobre as crianças, nesse sentido os poucos estudos que existem apontam de forma consistente que ser um filho indesejado é mau para a saúde física e psíquica, envolvendo riscos para o seu desenvolvimento psicossocial e para o bem-estar mental, efeitos que se prolongam até à idade adulta. Estudo de Praga é o único estudo que utilizou indivíduos controlo nascidos de gravidezes desejadas (aceites) com outros pais bem como irmãos de gravidezes desejadas e descobriu que existem efeitos negativos decorrentes de uma gravidez indesejada para a saúde mental dos adultos. É importante referir que este estudo longitudinal que acompanhou estas crianças até aos 35 anos, sendo um estudo metodologicamente bastante robusto. Mesmo assim os resultados sub-estimam os efeitos de uma gravidez indesejada quando considera que aquelas mulheres que estavam realmente determinadas a não serem mães conseguiram-no.
Estes dados fundamentam de forma clara a necessidade das políticas de saúde pública pugnarem por uma parentalidade responsável, desejada e consciente.

Aborto e Psiquiatria

Ana Matos Pires, psiquiatra

Se calhar vale a pena dizer que sou psiquiatra e que, por isso mesmo, sempre me bati pela não psiquiatrização da vida quotidiana. Essencialmente porque… a normalidade é, felizmente, suficientemente lata para comportar um mundo de diferenças. Quero continuar a poder reagir, adequada e saudavelmente, às coisas que me acontecem! Quero continuar a poder ficar triste sem que isso implique um diagnóstico psiquiátrico
Mas também porque… A doença mental é demasiado dolorosa para ser banalizada. A história está cheia de exemplos de como o diagnóstico psiquiátrico foi usado para coarctar liberdades e justificar torturas e abusos de poder!
Não resisto a perguntar… Terão assim tanto medo da sexualidade feminina? Será ela uma tão grande ameaça ao poder instituído que justifique o mesmo tipo de tratamento? A definição de uma entidade nosológica obedece a um conjunto de regras metodológicas rigorosas e precisas.
Um síndrome é um conjunto de sintomas e sinais que co-ocorrem. Tomemos como exemplo o síndrome febril. Do ponto de vista etiológico ele pode ser secundário a uma infecção, uma neoplasia, uma doença auto-imune, isto é, a um mesmo síndrome podem corresponder diferentes entidades clínicas ou, melhor ainda, nosológicas.
Assim, não faz sentido falar em Síndrome Pós-Aborto (SPA).
Enquanto entidade nosológica autónoma ele também não existe. Nenhum dos dois instrumentos classificativos internacionais mais amplamente usados em psiquiatria, ICD e DSM, lhe confere identidade própria, nem o refere como sub-tipo de qualquer uma das possíveis categorias diagnósticas, nomeadamente não está contemplado como sub-tipo da Perturbação Pós Sress Traumático. (Se quisesse ser demagógica ou intelectual e cientificamente desonesta era altura para argumentar pelo contrário, os quadros afectivos e psicóticos pós-parto estão e não é por isso que se torna defensável criminalizar a gravidez! …)
Os estudos que procuram concluir sobre a existência de sequelas pós-aborto são, habitualmente, mal desenhados e enfermam de erros metodológicos grosseiros .
A este propósito deixem-me ler-vos parte de um texto que vi um destes dias, escrito por um médico português defensor da criminalização do aborto: “Como ginecologista conheço bem o drama a que se auto sujeitam tantas mulheres após um aborto espontâneo; sei bem o quão difícil é levá-las à razão, fazê-las aceitar a infeliz inevitabilidade estatística da natureza e eliminar, das suas mentes, sentimentos irracionais de uma qualquer pseudo responsabilidade no sucedido. Pretender que, após um aborto provocado, a estrutura mental de uma mulher permanece inalterável corresponde a uma subversão propositada da natureza humana …”
Alguém de quem gosto muito comentou, com indignação “… que desfaçatez utilizar as consequências de um aborto espontâneo, ou seja, de um aborto numa gravidez desejada, para “provar” que um aborto tem sempre consequências muito nefastas na saúde psíquica da mulher!”. Assino por baixo e de cruz
A acção de variáveis ditas parasitas é de difícil controlo, o que obriga a cuidados redobrados na análise dos resultados obtidos e, consequentemente, na elaboração das conclusões. Que fácil é concluir por resultados catastróficos com cenários de depressão incapacitante, toxicodependência e morte a encherem as notícias dos jornais e das televisões! Já morrem mulheres suficientes por esse mundo fora na sequência de abortos não assistidos medicamente e por complicações pós-aborto não seguros. Essas doenças e mortes já são reais! Não é necessário fazer “a futurologia da desgraça, da doença e da morte”! É preverso!
Um erro comum é o uso do raciocínio “depois disto, logo, por causa disto” ou, dito de outro modo, “acontece depois do facto, então é explicado pelo facto”. Um acontecimento - p ex, um suicídio - que se segue a outro evento - p ex, um aborto - não implica uma relação de causalidade entre os dois! Foi nesta lógica errada que se apoiou o Dr. Reardon quando considerou uma amputação peniana com uma faca de cozinha como uma sequela tardia de um aborto prévio!
É também importante que, na interpretação dos resultados obtidos, seja tido em conta a diferença entre factores predisponentes, factores de risco, factores desencadeantes e factores causais.
Que o aborto é um acontecimento de vida importante e complexo, passível de alterar o funcionamento cognitivo e emocional da mulher e determinar sofrimento psicológico, é obviamente verdade, sendo esse sofrimento particularmente intenso na altura de ponderar a decisão a tomar. Mas também não minto se afirmar que é, em simultâneo e para muitas mulheres, fonte de alívio, de eutimia e de normalização da reactividade emocional. No folheto que é entregue a qualquer mulher que pretenda fazer um aborto na Grã-Bretanha, cuja responsabilidade é do Royal College of Obstetricians and Gynaecologists, o equivalente ao Colégio de Obstetrícia e Ginecologia da Ordem dos Médicos em Portugal, pode ler-se “A maneira como irá reagir dependerá das circunstâncias do seu aborto, das razões que a levam a fazê-lo e de quão segura se sente da sua decisão. Pode sentir alívio, tristeza, ou uma mistura de ambos”. Anota também aquela organização “alguns estudos sugerem que as mulheres que abortaram podem estar mais vulneráveis ao aparecimento de doenças psiquiátricas ou risco de comportamentos auto-lesivos, quando comparadas com mulheres da mesma idade que não abortaram. Contudo, não há nenhuma evidência que estes problemas sejam realmente causados pelo aborto; com frequência desenvolvem-se na continuação de problemas previamente existentes na vida da mulher”.
Que o aborto é um acontecimento de vida importante e complexo, passível de alterar o funcionamento cognitivo e emocional da mulher e determinar sofrimento psicológico, é obviamente verdade, sendo esse sofrimento particularmente intenso na altura de ponderar a decisão a tomar. Mas também não minto se afirmar que é, em simultâneo e para muitas mulheres, fonte de alívio, de eutimia e de normalização da reactividade emocional. No folheto que é entregue a qualquer mulher que pretenda fazer um aborto na Grã-Bretanha, cuja responsabilidade é do Royal College of Obstetricians and Gynaecologists, o equivalente ao Colégio de Obstetrícia e Ginecologia da Ordem dos Médicos em Portugal, pode ler-se “A maneira como irá reagir dependerá das circunstâncias do seu aborto, das razões que a levam a fazê-lo e de quão segura se sente da sua decisão. Pode sentir alívio, tristeza, ou uma mistura de ambos”. Anota também aquela organização “alguns estudos sugerem que as mulheres que abortaram podem estar mais vulneráveis ao aparecimento de doenças psiquiátricas ou risco de comportamentos auto-lesivos, quando comparadas com mulheres da mesma idade que não abortaram. Contudo, não há nenhuma evidência que estes problemas sejam realmente causados pelo aborto; com frequência desenvolvem-se na continuação de problemas previamente existentes na vida da mulher”.
Como seria de esperar, e porque a decisão de abortar é um processo complexo, a presença de um conjunto de sentimentos negativos inespecíficos, como a tristeza e a culpa, após uma IVG é comum, mas são transitórios e não configuram um diagnóstico psiquiátrico. Tenho é a maior das dúvidas que a criminalização não contribua ainda mais para esse mau estar psicológico reactivo. E que considerações tecer sobre os efeitos de uma a gravidez não desejada?
Vejamos a coisa do outro lado. Que entidades nosológicas psiquiátricas sustentaram, até aqui, a aplicabilidade da actual lei? Nenhuma! Mas a actual lei também não obriga à existência de um diagnóstico específico. Nestas alturas lembro-me sempre de uma frase que ouvi ao Prof. Nuno Grande, de quem tive o privilégio de ser aluna, “No decorrer da vossa prática clínica lembrem-se que inúmeras vezes, em medicina, não existem doenças, existem doentes!”. E esta também serve para o argumento “gravidez não é doença”! Pois não, mas também não é um antídoto universal contra ela, nem tão pouco lhe são reconhecidas quaisquer acções profilácticas ou preventivas! E o aborto é um acto médico!
De qualquer modo, por me parecer que a actual lei é manifestamente insuficiente, vou votar Sim no referendo de Fevereiro.